Cada vez mais, as mulheres se fazem presentes no campo do agronegócio — como pecuaristas, pesquisadoras, agricultoras, executivas de empresas do setor e empreendedoras.
Em 2015, por exemplo, metade dos alunos formados na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, era do sexo feminino. Além disso, segundo dados da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW), da Organização das Nações Unidas (ONU), 43% do 1,3 bilhão de pequenos agricultores do mundo todo são mulheres.
“Como eu, existem muitas por aí. Agora, elas querem fazer parte do jogo.”, diz Teresa Vendramini (Teka), produtora rural e diretora de Pecuária da Sociedade Rural Brasileira (SRB). Ela foi a primeira mulher a ocupar um cargo executivo na entidade, fundada em 1919, e é da terceira geração de uma família de agropecuaristas, mas só assumiu a gestão de fazendas aos 40 anos, após décadas empreendendo em outros setores.
Hoje, Teka conta que sua fazenda no interior de São Paulo é extremamente produtiva e sustentável, mas precisou enfrentar alguns desafios até se destacar no mercado. Ela gosta de enfatizar que conhece diversas mulheres com uma trajetória semelhante à dela e acredita que a força delas tende a ser cada vez maior no agronegócio.
Neste artigo, você vai conhecer mais sobre a história da produtora e o panorama da atuação feminina no setor. Continue a leitura e confira!
Qual a posição das mulheres no agronegócio?
Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) aponta que a maioria das empreendedoras do setor está em postos de liderança, como a própria Teka.
Há uma forte tendência para a maior participação da mulher no agronegócio brasileiro. A pesquisa mostra que 59,2% das mulheres na área são proprietárias ou sócias, 30,5% fazem parte da diretoria, são gerentes, administradoras ou coordenadoras e 10,4% são funcionárias ou colaboradoras. Além disso, 57% dessas mulheres participam ativamente de sindicatos e associações rurais.
O perfil da mulher que atua no agronegócio brasileiro é de escolaridade alta e independência financeira: 55% acessam a internet todos os dias, 60% têm curso superior completo e 88% se consideram independentes financeiramente.
Conforme o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural do Estado do Paraná (SENAR-PR) (2009), cada vez mais as mulheres se destacam no cenário do agronegócio brasileiro. A presença feminina é constante em diversas atividades: nas plantações, nas salas de ordenha, em rodadas de negócios e outras.
Como líder, Teka destaca que é importante contratar o trabalho de outras mulheres. “Existe um universo para fora da porteira, de mulheres que estão fazendo agronomia ou veterinária e não são produtoras e cuja família não é também. Provavelmente, elas vão trabalhar fora da porteira, prestar serviços a alguma empresa. Então, eu estimulo muito contratar mulheres. Eu quero comprar um trator de uma mulher, por exemplo”, diz.
Em qual setor está o maior número de mulheres?
A agricultura é a área na qual as mulheres têm maior presença, com 42% de participação. As principais culturas são de soja, milho e hortifrúti. A pecuária ficou em segundo lugar, com participação de 25% das mulheres. Depois vem a agropecuária, com 20%, e agroindústria, com 13%.
Teka é pecuarista e se orgulha de ser uma referência no setor, uma área que ela percebe ser “muito masculina” no país. Uma pesquisa sobre os hábitos do produtor rural realizada em 2017 pela Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA) aponta que quase 1/3 das propriedades têm mulheres no gerenciamento e 81% dos entrevistados consideram essa participação feminina vital.
Além disso, 23% das famílias brasileiras ligadas ao agronegócio apresentam liderança feminina, conforme dados do MDA. Em relação à gestão no agronegócio, 27% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres.
Ainda assim, Teka acredita que um dos principais desafios para a entrada de mulheres no agronegócio seja a cultura familiar. “As maiores dificuldades às vezes vêm da própria família. Não a família do agro, especificamente. As famílias brasileiras ainda são muito machistas, têm todo um preconceito em relação à mulher”, afirma.
Sobre isso, ela ainda complementa: “A mulher, dentro da sua própria família, não tem um estímulo, uma chancela para ela seguir o negócio, trabalhar junto. Agora, com o movimento de mulheres que está acontecendo, estamos até ensinando a algumas famílias”.
Quais são os desafios diários?
As mulheres enfrentam muitos obstáculos no campo do agronegócio, pois essa é uma área ainda predominantemente masculina. A pesquisa citada afirma que 74,2% das mulheres disseram que já sofreram preconceito, porém 61,1% delas declararam não terem se intimidado com isso.
Ainda assim, dados de um estudo feito entre novembro de 2015 e abril de 2016 pela ABAG revelam que 67% das mulheres do agronegócio não sentem que o espaço dado a elas seja igual ao dos homens.
“Há mulheres que dizem que nunca tiveram problemas. Eu, particularmente, tive alguns, mas fingi que não vi e segui em frente. Em São Paulo e no Paraná, por exemplo, onde as mulheres são mais organizadas, têm menos problemas. Mas existem estados em que elas têm dificuldades em assumir postos”, conta Teka.
Certamente, são diversos os desafios pelos quais as mulheres passam para conseguir reconhecimento no setor do agronegócio. Apesar das dificuldades, elas vêm conquistando cada vez mais seu espaço, buscando vencer a baixa participação nesse setor.
É importante destacar que o Brasil conta com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no qual há um departamento específico para o atendimento às agricultoras, setor nomeado como Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais (DPMR). O órgão promove projetos de acesso das mulheres rurais e suas organizações produtivas à documentação civil e jurídica por meio do repasse de recursos aos estados.
Entre os principais projetos do departamento estão o Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais, o Pronaf Mulher, o Programa Nacional de Documentação das Trabalhadoras Rurais e a Assistência Técnica e Extensão Rural para mulheres. Tais políticas demonstram o reconhecimento e a importância dados à participação da mulher nesse setor no país.
O MDA também atua na implementação de mecanismos de formalização, qualificação de processos de gestão e comercialização e participação na gestão social de territórios rurais, identidade ou da cidadania.
No geral, os projetos tentam contribuir para o fortalecimento e a consolidação de organizações produtivas de mulheres rurais e para a articulação com os governos estaduais. O objetivo dessas iniciativas é implementar e ampliar o alcance de políticas para as mulheres rurais.
Quais são as soluções encontradas por mulheres no agronegócio?
Teka é bastante consciente sobre os desafios diários que as mulheres enfrentam no agronegócio. Ao longo do tempo, desenvolveu estratégias e percebeu formas de driblá-los para alcançar o sucesso no setor. Ela ressalta, por exemplo, que muitas colegas chegam ao mercado sem grande conhecimento técnico.
Ela mesma começou os negócios assim e, para contornar essa dificuldade, acredita que a solução é se especializar. Para isso, procurou cursos da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos, e oficinas de curta duração da Esalq — USP. Uma de suas referências é Miguel Cavalcanti, CEO da BeefPoint e da AgroTalento, com quem fez alguns cursos.
A principal dica que Teka dá às mulheres do agronegócio é se organizar em grupos. Ela não acredita que a presença feminina no setor seja algo novo, mas percebe que, nos últimos anos, tem ganhado visibilidade e mais força graças à união entre as profissionais.
“Quando você está em grupo, tem muito mais capacidade de atingir um crescimento. Em grupo, você recebe grandes palestrantes, pode fazer grandes viagens. Uma mulher chancela outra, a gente vai se dando força. Eu acho que, juntas, estamos edificando o caminho para a gente continuar, para as nossas filhas e netas seguirem”, diz.
Os grupos exclusivamente para mulheres — como o Núcleo Feminino do Agronegócio, do qual a produtora fez parte — são muito importantes, mas a participação delas não precisa se restringir a eles. Teka recomenda, por exemplo, que as mulheres procurem os sindicatos da região em que atuam.
A produtora rural também indica a participação em eventos da área, como o Congresso Nacional de Mulheres no Agronegócio, que em 2018 chegou à terceira edição. Ela própria é convidada frequentemente para palestras em eventos como esse.
Outro ponto importante é escolher bem os parceiros de trabalho. “Uma coisa que é característica minha, mas que acho que é da mulher também: pedir muita ajuda. A gente não tem problema em pedir. Para mim, é sobrevivência”, diz.
Assim, por mais que ainda não tivesse conhecimento técnico aprofundado quando assumiu a fazenda, Teka se cercou de profissionais competentes de todas as áreas, alguns dos quais permanecem com ela até hoje, somando uma década de parceria. “Eu quero gente melhor que eu ao meu lado — o melhor agrônomo, bons veterinários etc.”, diz.
E, claro, a maior solução para driblar as dificuldades é fazer um bom trabalho. “Eu acredito em mim e vou seguindo meu caminho. Vi que, a partir do momento em que eu fiz um bom trabalho na minha fazenda, isso me chancelou. O meu trabalho é o que me faz suplantar o resto das coisas. A partir da hora em que a pessoa mostra um grande trabalho, segue em frente”, diz Teka.
Como elas atuam na adoção da tecnologia para a gestão do negócio?
O estudo da ABAG (citado no tópico sobre desafios no setor) também apontou o papel das mulheres na adoção da tecnologia no agronegócio: a pesquisa mostra que 20,1% das mulheres estão interessadas em aprender mais sobre o mercado de tecnologia.
Os dados mostram que as redes sociais mais usadas são o Facebook (92,9%), WhatsApp (96,1%), Instagram (54,8%), YouTube (68,8%), Messenger (65,3%) e LinkedIn (26,1%). Segundo a pesquisa, as mulheres têm um perfil ativo, bem presente nas redes sociais e julgam essa comunicação importante para sua atuação e crescimento profissional.
Com o maior espaço das mulheres no campo, aumenta também a diversidade de perspectivas para o agronegócio. Dados da Food and Agriculture Organization (FAO), por exemplo, mostram que as mulheres representavam 41% do emprego total na agricultura no mundo em 2007 e revelam que as mulheres são proprietárias de 20% das terras agrícolas em 15 países da União Europeia.
Tais números, além de causar otimismo, mostram que há uma grande tendência de crescimento da atuação feminina no campo, que vem acompanhada de um grande potencial de diversificação e modernização.
Gostou de conhecer a história da Teka e entender melhor o panorama da atuação feminina no campo? Compartilhe este texto com outros colegas do setor em suas redes sociais!