Gado nelore tomando sol
Belgo Arames
Publicado por: Belgo Arames
Cuidados com o gado no verão

Todo produtor rural que trabalha com a criação de animais sabe que eles são sensíveis às mudanças no clima. Quanto aos bovinos de corte e de leite, algumas raças são mais adaptadas para viverem em ambientes mais frios, enquanto outras são mais rústicas, se dando bem em locais mais quentes. Porém, os cuidados com o gado no verão devem fazer parte do planejamento dos pecuaristas brasileiros.

Isso porque tanto o calor excessivo quanto os raios e as próprias tempestades afetam significativamente o bem-estar e a saúde dos animais. Como consequência, há uma queda drástica no seu desempenho, sem contar os riscos de perda do rebanho por conta das descargas elétricas.

Por isso, conversamos com José Bento Sterman Ferraz, médico-veterinário e professor Genética e Melhoramento Animal da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, que trouxe informações valiosas sobre os cuidados com o gado no verão. Confira!

De que maneira as fortes chuvas impactam o gado no verão?

O verão brasileiro é marcado pela alta umidade e pelas fortes tempestades na maior parte do país. Isso significa que o pasto terá condições favoráveis para se recuperar do pastejo e rebrotar com força para suprir as demandas nutricionais do rebanho.

Porém, o período de chuvas não é muito bom para os bovinos, explica o veterinário. Primeiro, porque, assim como os seres humanos, o gado também tem a possibilidade de pegar pneumonia, principalmente pelo fato de as fazendas serem descampadas e receberem fortes correntes de vento.

Ainda há o risco de os animais serem atingidos por raios, já que o Brasil é recordista mundial de descargas elétricas, de acordo com o Grupo de Eletricidade Atmosférica, do Inpe. Nesse caso, há duas formas que os animais podem morrer: recebendo diretamente o raio (por serem o ponto mais alto de uma área descampada), ou sendo afetados indiretamente pela descarga elétrica que caiu na árvore em que foram buscar abrigo contra a chuva.

Como o calor pode prejudicar o gado de corte e o gado leiteiro?

O calor é um dos desafios dos criadores de animais no Brasil, pois o estresse térmico é um dos maiores responsáveis pela baixa produção e pelas perdas de lotes inteiros de suínos e aves, comenta Ferraz. Quem trabalha com gado leiteiro e tem altos índices de produtividade sabe bem da importância do conforto térmico para as vacas.

As fazendas mais tecnificadas já resolveram esse problema. “Por exemplo, uma instalação coberta, ventiladores e borrifadores de água para refrescar os animais”, explica o especialista. Agora, quando o assunto é gado de corte, os pecuaristas brasileiros ainda precisam fazer melhorias para protegerem o rebanho das altas temperaturas.

O veterinário fala sobre a ideia errada de que os bovinos passam o tempo todo pastando tranquilamente no campo. “Se você puser sombra, que é o caso do manejo silvipastoril, você vai ver que o gado vai pastar de manhã cedo e ao final do dia. O resto do dia, ele fica debaixo da sombra porque é mais confortável”.

Essa questão deveria ser ainda mais preocupante para quem faz o confinamento do gado. “Confinamento no Brasil é no sol. Na realidade, eu estive na Austrália, e um terço da área é sombreada com sombrite, porque eles já estão otimizando o crescimento dos animais”, ressalta Ferraz.

É preciso ter em mente que os bovinos diminuem a ingestão de alimento no verão. Para aqueles que não têm como fugir do sol forte é ainda pior: “isso incomoda muito o bicho, e o seu desempenho é reduzido porque ele come menos”, avisa.

Quais cuidados amenizam esses aspectos?

Diante dessas dificuldades que o veterinário levantou, fica evidente que é preciso estabelecer alguns cuidados com o gado no verão. Ferraz resume tudo a um conceito apenas: bem-estar animal. Essa ideia começou na Europa, há bastante tempo já, mas “aqui no Brasil ainda é recente a ideia de que o bem-estar faz parte da produtividade do rebanho”.

Veja só o que você pode fazer.

Planeje-se

O planejamento é indispensável para a pecuária, uma vez que é preciso tempo para adaptar a fazenda e aplicar as boas práticas de manejo com os animais. Pense sempre à frente, pois criar gado é coisa de longo prazo.

Ferraz ainda comenta que a origem da palavra “fazenda” é “coisas que devem ser feitas” ou “ficar fazendo a vida inteira”. “A gente não para nunca. E sempre tem que estar mudando”, destaca.

Ou seja, esteja atento às tendências do mercado e ao que dizem os especialistas para fazer melhorias na sua propriedade. “O pecuarista precisa se planejar para que o animal fique na maior faixa de conforto. Isso significa, ter alimento, água fresca e limpa, de boa qualidade sanitária, e sombra disponível”, frisa o veterinário.

Cerque árvores isoladas

Não caia naquela história de que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar — cai, sim. As descargas elétricas vão ocorrer sempre nos pontos que estão mais elevados no campo. Se não houver nada mais alto que o gado, os próprios animais serão alvo.

Se o ponto mais alto for uma árvore, o raio cairá nela. Mas o problema é que, se estiver chovendo, os animais vão se abrigar justamente sob a copa dessa árvore —, e os efeitos da descarga elétrica são sentidos no seu entorno, já que a corrente se espalhou pelo chão.

Para prevenir a morte de bois por raio, pode-se instalar um para-raios na árvore ou, então, instalar uma cerca ao seu redor. Se esta for a sua opção, evite o acesso do rebanho em uma área de dez a vinte metros do seu tronco.

Aterre as cercas

Outra ação importante para minimizar o perigo das descargas elétricas é aterrar as cercas. Dessa forma, se o raio atingir a cerca, a eletricidade vai para a Terra.

Ainda, procure não utilizar um fio de arame contínuo na estrutura, dando preferência para o seccionamento da cerca rural. Assim, o relâmpago não energizará toda a extensão dos fios, o que poderia eletrocutar os animais, mesmo que estivessem longe do lugar onde caiu o raio.

Construa um galpão

A construção de um galpão para os animais é um dos cuidados mais simples que você pode ter com o gado no verão. Se houver espaço e condições financeiras para tal, prefira galpões de alvenaria.

Essa é uma estratégia que resolve, também, as mudanças climáticas da região. Sob sol forte, o gado pode se proteger à sombra do galpão; abaixo de chuva, a instalação é um abrigo.

Isso vai garantir que o rebanho permaneça confortável e, dessa maneira, produtivo.

Invista no sistema silvipastoril

Ferraz chama atenção para a dinâmica que o sistema silvipastoril (ou Integração floresta-pecuária (ILP)) traz para a pecuária. Nesse tipo de sistema integrado de produção, existe a arborização das pastagens, geralmente com eucalipto.

“Os animais são sensíveis à temperatura, à umidade, à chuva e ao vento sim. Quando você faz um bom manejo, você cria microclimas entre as árvores, isso quebra o vento e oferece sombra para o rebanho”. O especialista não para por aí:

O aumento de produção é uma coisa absurda, porque, primeiro, o pasto cresce mais, já que você adubou por causa das árvores. Com isso, você acaba tendo uma maior produção e uma maior capacidade de lotação da fazenda, mesmo tendo perdido área paras as árvores. Isso é muito interessante.

Ferraz ainda retoma as práticas antigas e pouco sustentáveis dos produtores brasileiros, dizendo que a maioria deles arrancou as árvores do pasto, e poucos as deixaram. Agora, os que retiraram as árvores do campo querem plantá-las novamente, porque perceberam que o bem-estar do rebanho é maior quando há sombra —, e que o conforto faz parte da produtividade dos animais.

Para finalizar as dicas sobre os cuidados com o gado no verão, o veterinário reforça: “a grande mensagem é a seguinte: pense no bem-estar do animal. Animal que está se sentindo bem vai se reproduzir, produzir e crescer melhor, vai sair do ciclo antes, vai girar seu capital mais rápido. E aquilo que você investiu na fazenda, para dar esse conforto ao rebanho, vai retornar muito fácil”.

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